Casaram-me com a tristeza!
A minha terra
negra e de sol
-a minha Mãe-
que entoa magoadas melodias
em noites de festa
quando a lua ri
e a enigmática floresta
farfalha ritmos de jazz,
-a minha Mãe-
deu-me Tristeza em casamento
quando nasci.
Não tive infância
nem mocidade
não tive a alegria
da primeira idade
por causa deste noivado prematuro
e senil.
Meus pesados dias são ilusões
meus prazeres amarguras
a Felicidade e a Vida
sonhos.
Eu próprio sou uma ilusão
Sou a irrealidade
Sou sonho.
Porque a realidade é a Tristeza
e não a quero assim
Para a esquecer
e olvidar meus amores
os meus ideias
fumo ópio.
-Eu sensualizo a Vida:
bebo o brilho da luz
quando trabalho ao sol
queimando os ombros nus
gozo o sadismo do fogo
quando danço à fogueira
e a lenha contorce
sofrendo
como o meu sofrimento
amarfanha a alma.
Gozo
gozo ingenuamente
a fingir que não sofro;
choro como quem ri!
Fumo o meu ópio
para sonhar
in “Renúncia Impossível”, Agostinho Neto, Obra Poética Completa, página 125
Recorte policopiado de “Meridiano”- 24.1.1948 – Arquivo fls. 6 (Coimbra,1947)