Quitandeira de ananases
eu gosto dos teus olhos
quando me fitas assim
tímida e suplicante
a expiar crimes
sofrendo por ter sofrido.
Gosto dos teus olhos
que me segredam o tudo está consumado
do teu calvário
e me indicam
o caminho do ressurgimento.
Gosto dos teus olhos
vendedeira de ananases
dos teus olhos nostálgicos
onde leio
as mágoas duma multidão.
Gosto dos teus olhos
onde passeiam pensamentos distantes
ilusões perdidas
dias ainda não vividos
mas pressentidos.
Gosto dos teus olhos
dirigidos para séculos idos
embebendo no perfume
do ananás
a esperança no alvorecer.
Olha-me quitandeira de ananases
eu quero descobrir a Vida.
in “Renúncia Impossível”, Agostinho Neto, Obra Poética Completa, página 139
Original dactilografado. Arquivo fls.162